sexta-feira, 24 de agosto de 2012

REFLEXÕES DO AUTOR


VOTO E CIDADANIA
Para ser lido na ressaca das eleições
Jairo Carvalho


       Usei a palavra “ressaca” acima, porque a toda farra sucede uma ressaca. E se as eleições brasileiras, a cada ano, são verdadeiras farras de dinheiro, de poluição sonora e visual, as deste ano de 2012 parecem que atingiram o apogeu. Nunca se viu tantos carros de som nas ruas, distribuindo ruído e infernizando a nossa já tão infernizada vida; nunca se viu tantos cartazes de propaganda ocupando os canteiros centrais das avenidas, enfeando a nossa já tão degradada paisagem urbana.  Não sei se pelo fato de ter sido aberta a porteira para a entrada de mais alguns milhares de vereadores, ou porque a situação política brasileira vem se deteriorando mesmo.
       (Antes de continuar, devo fazer um esclarecimento. Tanto no meu primeiro livro “PORQUE SOMOS COMO SOMOS”, já editado, onde tento explicar, rebuscando a nossa História, porque chegamos ao ponto que chegamos, e se “Temos Jeito?”, como no segundo ‘O ELOGIO DA GORDURA’, no prelo, onde tento explicar por que este mundo é assim, e da mesma forma questiono no subtítulo se este mundo tem jeito, uso algumas expressões tiradas da terminologia rural, como por exemplo “manada”, para me referir à turba. Assim, posso usar construções como “manada de religiosos”, “manada de ideólogos” ou, ainda, “manada de torcedores de futebol”. Sempre querendo dar a entender que se trata de um conjunto de pessoas que abdicam de ter idéias próprias e seguem ou são dominadas por  um “líder”, assim como as ovelhas seguem e são dominadas por um cão pastor. Daí que criei também a expressão “analfabeto de pensamento”; e, no parágrafo anterior, falei em “porteira”!)
       Ainda em referência aos meus dois livros, devo reconhecer que eles não estão fadados ao sucesso, pois, como me falou um livreiro, em relação ao primeiro: “Este livro está cheio de verdades inconvenientes, e as pessoas querem ler textos que lhes enleve a alma!”; e, na minha fria opinião, o brasileiro não precisa de livros que lhe enleve a alma, mas daqueles que o tragam para a dura realidade do cotidiano.
       Assim, quanto às eleições, cujos desdobramentos deveriam encaminhar um projeto para o país, a cada pleito segue-se uma decepção; pois, o único projeto é o do arrivismo político e o da permanência no poder. E agora, quando ficou provado que todos os partidos políticos brasileiros são iguais, e a esquerda contestatória se ombreou com a direita conservadora e retrograda só nos resta identificar os culpados.
        A guiar-nos pelas palavras de Cristo (e a sociedade brasileira se julga cristã!): “Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos” - Mateus 7 -17; ou seja, se pelos frutos se conhece a árvore, e os nossos políticos são frutos da sociedade brasileira, já dá para ver a qualidade dessa “árvore”. Mas, antes de julgar a sociedade brasileira culpada – até o ponto de dolo -, conivente ou apenas negligente, temos que buscar as razões históricas para o nosso comportamento, o que fiz no livro “PORQUE SOMOS...”.
       No capítulo V desse livro, “A comunidade”, fiz um relato de como, depois de dois anos de pesquisas pelas mais diversas instituições: associações de moradores, sindicatos, Organizações Não Governamentais, orfanatos, e outros grupos, chequei a uma conclusão: “No Brasil não existe sociedade civil organizada! E no início do capítulo já havia acusado a nossa falta de coesão social: “Nós só nos ajuntamos em estádios de futebol, festas de largo e templos religiosos.”. Depois fiz um paralelo entre o Brasil e os Estados Unidos, no que se refere ao espírito comunitário e cidadania. E as diferenças já começavam no início da colonização de cada país. E relatava a forma como o pioneiro se dirigia para o Oeste em busca de um pedaço de terra para plantar – a “corrida do ouro” veio depois! Aqui as nossas “entradas” e “bandeiras” sempre foram em busca do ouro ou da preação dos índios.
       Mas a organização social, no Brasil, se deu mesmo na relação de dependência e promiscuidade entre a casa grande e a senzala. E, de tal forma, que até hoje, esta relação se mantêm. Na dúvida, observe o êxodo diário de prestadores de serviços subalternos dos bairros da periferia para aqueles habitados pelos mais bem postos na vida; ou ainda, a simples constatação, nas plantas dos edifícios, da área reservada para a empregada domestica.
       E concluo que, hoje, não somos uma sociedade comunitária, mas uma sociedade de massa. E, para exemplificar melhor, transcrevi um trecho do livro “O Melhor de Peter Drucker - A sociedade”, do economista e analista social Peter Drucker, e aqui cito parte desse trecho:
       O fato de que o homem precisa da sociedade, não significa necessariamente que ele a tem. Ninguém chama a massa humana desorganizada, aterrorizada e tresmalhada em um navio naufragado de sociedade. Isto não é sociedade, embora sejam seres humanos num grupo.” E adiante ele faz uma constatação, referindo-se às massas:
       “(...) Talvez a falácia maior de nossa era seja o mito das massas, que glorifica a multidão amorfa, desintegrada e sem sociedade. (...) sempre dispostas a seguir um apelo irracional, ou submeter-se a um tirano arbitrário, bastando que este prometa uma mudança”. Depois ele fala da importância da cidadania:
       “Sem cidadania, não pode existir o compromisso responsável que cria o cidadão, e que, em última análise, consolida o Estado. (...). Até o próprio Estado precisa, para sobreviver, de cidadania”.  E depois de reconhecer que a família não constitui mais a comunidade, ele fala da necessidade da participação:
       “Os indivíduos precisam de uma esfera adicional de vida social, relacionamentos pessoais e de contribuição externa e alheia à organização e à sua área especializada de conhecimento.” E mais adiante:
       “Uma sociedade só pode subsistir se possuir elos comunitários. Se eles não existiram, precisam ser criados. Se eles foram destruídos, precisam ser restaurados”.
       Antes de tudo, temos que esclarecer que, no Brasil, a própria palavra “comunidade” teve o seu sentido restrito. Comunidade, para nós, são conjuntos de indivíduos segregados pela pobreza e isolamento. Assistindo a filmes e documentários de países mais organizados socialmente, naquelas situações em que os habitantes se reúnem para resolver problemas comuns – da rua, do bairro ou da cidade -, onde se usa até votação, a expressão mais ouvida durante os debates é “nossa comunidade!”. Lembrando-nos que, em uma DEMOCRACIA que mereça este nome, a “cidadania” não deve se limitar a votar a cada eleição e pagar, ordeiramente, impostos.
       A cada ano assistimos a movimentos específicos como paradas gays, movimento de religiosos, etc., que tomam as principais ruas das cidades, e com número de participantes que chegam à casa dos milhões. E ficamos esperando pela “parada da cidadania”. E o que vemos, é que, quando um evento acontece, por exemplo,
”contra a corrupção”, mesmo o movimento sendo divulgado pelas redes sociais, a quantidade de participantes é tão exígua que dá até vergonha!
       E como estamos falando em redes sociais e Internet, é preciso que se esclareça que, esta, é apenas uma “ferramenta”; e, no caso de veículo para o aprimoramento social, ela pode ser até danosa, com a formação de grupos e “tribos”, nem sempre votados para o bem.
        O primeiro grupamento social foram as famílias de trogloditas, e, num estágio mais avançado, veio a vizinhança, como grupo social efetivo e afetivo, que ampliava a proteção da família. Na tribo todo mundo era vizinho! E, na proporção que surgiram as cidades, foram aparecendo outras formas sociais, mas a família e a vizinhança perduraram por milênios. Neste ultimo século a família fragmentou-se, e a “vizinhança” vem se enfraquecendo como grupo social. Mas não em todos os países. Aqueles de melhor organização social ainda têm a vizinhança como uma família ampliada, com resultados positivos na diminuição da violência, na fiscalização (e até auxílio) dos poderes públicos, etc. Aqui, no Brasil, nós estamos longe disso; e, para explicar o nosso estranhamento social (esta é a expressão), temos que voltar ao binômio casa grande e senzala.
      A duração e abrangência da nossa escravidão, e a relação de dependência e promiscuidade entre esses dois espaços, produziram uma sociedade deformada, cujos efeitos perduram em nossos dias. No livro “PORQUE SOMOS...” falei sobre a “limpeza da cor”, no Brasil; e, não importa que depois das “cotas” para as universidades muita gente queira ser “preto”! O certo é que, por força da miscigenação que tivemos, os produzidos por ela sempre quiseram ser “Brancos” E um dos motivos que encontrei para a fraqueza e inexistência de instituições populares entre nós é que o brasileiro só se julga “igual” ao que está acima. Todo brasileiro carrega um aristocrata dentro de si! Também já escrevi como fui até criticado por “me dar” com pessoas de condição sócio-econômica inferior! E, ao analisar a relação do brasileiro com o trabalho, escrevi que “(...) No Brasil, talvez como em nenhum outro país, se classificou tanto, quanto ao ‘status’, As diversas profissões”.
       O certo é que este acúmulo de fatores históricos produziu um apartheid mais social do que racial. Diante da miscigenação reinante, e da dificuldade de se saber quem é quem entre o negro retinto e o branco descascado, optou-se por se identificar com o segundo (detentor do poder). Mas, como a pobreza é maior entre negros e mestiços, e o apartheid social descrimina o pobre, daí a sua conotação racial. Mas também já escrevi que, no Brasil, a verdadeira “luta de classes” é aquela em que se tenta, desesperadamente, pular para a classe imediatamente “superior”! E a nossa reverência pelo que está acima de nós, desvirtuou a ética, o que nos faz simpatizante do político corrupto e do empresário ladrão.
       Mas o efeito mais danoso dessa nossa “(de)formação” histórica é que não vemos, como igual, o indivíduo que está à nossa volta  E esse estranhamento degringolou o conceito de vizinhança e de comunidade, ao lado do já degringolado conceito de família. E daí a dificuldade de criamos instituições populares fortes. No entanto, não se pode eliminar uma forma de organização social sem criar outro que o substitua. E o ideal seria que as novas formas de organização convivessem com as antigas, como em outros setores: assim como o dinheiro, tanto em moeda como em papel, convive harmonicamente com o cartão de crédito; assim como o velho jornal, conviveu com o rádio, a televisão e, agora, a Internet. Parece que resolvemos substituir a velha vizinhança pela Internet. Mas não me consta que as redes sociais tenham conseguido diminuir os nossos índices de violência, corrupção, a proliferação de grades e muros altos. A verdade é que nada substitui o calor humano do contato pessoal: o “olho no olho”, o aperto de mão, a mão amiga sobre o ombro. Então, aqui voltamos a falar de voto e cidadania. E o que se segue pode ser visto como altamente subversivo – no sentido de transformar a ordem vigente.
       Já escrevi sobre o fato de todas as nossas instituições terem sido emanadas de algum poder: político, religioso, sindicalista, etc.; ou seja, sempre de cima para baixo. Na falta de instituições populares fortes, que ao menos imitasse a ágora grega, somos tratados como manada: de pagadores de impostos, de seguidores de ideologias, de torcedores de futebol, etc., e a cada eleição somos “caçados” e cooptados das mais variadas formas, como na triste figura do “eleitor de cabresto”. Mas, dirão os ingênuos: “-Podemos cobrar o nosso voto!” Ledo engano! Pois, como também já deixei claro “O indivíduo comum, isolado, não chega nem perto do gabinete de um político para cobrar qualquer coisa. Aliás, a legião de assessores de que ele vive cercado, e que é paga com o nosso dinheirinho, tem, entre outras funções, a de formar uma barreira entre o eleitor e o eleito. Só o cidadão, respaldado pela comunidade e representando-a, pode ter acesso ao administrador público ou ao legislador, não só para cobrar, mas para sugerir e influir.”.
       Então, uma instituição popular, qualquer o nome que se lhe atribua, já tem esta função principal: respaldar juridicamente os seus representantes diante dos diversos poderes: municipais, estaduais ou federais; executivos, legislativos ou judiciários. A segunda função política seria tornar público o currículo e a atuação dos candidatos; o que, de lambuja, preservaria a “memória do eleitor”, e que faria com que ele se lembrasse em quem votou na eleição passada!
       Numa associação comunitária organizada, os políticos seriam convidados a expor suas idéias, e seriam cobrados a dar explicações; e, a experiência mostra que aqueles políticos mais vagabundos tendem a fugir a esses debates, o que já seria uma triagem no direcionamento do voto! Mas são vários outros os motivos para que formemos associações comunitárias fortes. A começar pela diminuição da violência. Uma sociedade comunitária esta menos propensa à violência, pois, com a criação de grupos de jovens para o estudo, para os esportes, para a música, etc, desviaria a sua atenção das drogas e da formação de grupos violentos; promoveria uma maior integração família-escola; etc.
       É preciso ser muito ingênuo para  acreditar que alguém forme opinião abalizada de um político através  do “Horário Eleitoral Gratuito”, que reputo como uma das maiores aberrações do nosso já tão aberrante processo eleitoral; ou de carros de som, muros pichados e distribuição de “santinhos”
       Quando, há mais de um século, Joaquim Nabuco, depois de viver na Inglaterra, e, logo depois, nos Estados Unidos, identificou os defeitos do regime presidencialista em relação à monarquia parlamentar inglesa; estava longe de sonhar (ou ter o pesadelo!), de que o nosso sistema presidencialista, com um povo apático, servindo apenas como elemento de uso, seria muito pior do que o praticado na América do Norte.
       E repito aqui o que escrevi no livro “Por que somos...”: “Se não nos unirmos em comunidades, continuaremos a ser não apenas caçados enquanto eleitores, mas também laçados, literalmente, como na imagem tristemente difundida, entre nós, do ‘eleitor de cabresto’, que, guardadas as devidas proporções, todos nós somos, e continuaremos a ser, a despeito do nível de escolaridade e renda”.
       Quanto àqueles que julgam possuir um voto mais sofisticado do que o do povão, devo lembrar que seremos sempre governados pela ignorância; pois, os por ela eleitos, só a ela tendem a agradar; daí o sucesso das “bolsas” e “vales”. E o nosso apartheid social fez com que, politicamente, fossemos igualados por baixo!
       No fim do capítulo “A Comunidade” do livro “Por que somos...” lancei um “libelo contra a queixa individual”. E quero enfatizá-lo aqui. Se a queixa, é “Motivo de desprazer, mágoa, ofensa”, e se nós contribuímos, por força do nosso descompromisso, da nossa apatia, com o que está aí, então recolhamo-nos à nossa insignificância. E o resumo deste libelo é: “Cala a boca! Meta o rabo entre as pernas! Psiu!”.


Obs.: JAIRO CARVALHO é autor do livro;  Porque somos como somos. Temos jeito? Ed. Gráfica da Bahia.
   Neste livro esse autor fala sobre sociedade, cidadania, ética, dos vícios do brasileiros e corrupção - que está em constante na mídia.